sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Recado ao Senhor 903 - Rubem Braga

Vizinho,

Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 - que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21 :45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.

...Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: "Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela".

E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.


A crônica que foi comentada em sala pelo - se me permite - Professor Danilo.
realmente muito boa!

:D

9 comentários:

Amandinha disse...

Fez o cometário???? Não me lembrava mais!!! Tbm 1 semana depois rs!! Mas achei muito legal esse limite de números, porque se pensarmos somos rodeados de números que marcam tudo ou quase tudo em nossa vida...já começa pelo nascer, dia, mês, ano e horário....rs!!!!!!
Muito interessante. Obrigada por postar.
Beijos

Anônimo disse...

Uiii vc falando assim eu concordo néah mandinha!!!

Anônimo disse...

gostoza do carai chupa minha pika!!!

Anônimo disse...

Desgraçada me fez gozar

Luís Henrique disse...

Lesado(os)esse site é para estudo não para trouxas que se acham melhores que os outros!!!

Jhonattam disse...

Concordo esses filhos da puta são todos otário !!

Réginho disse...

Tá tirando mano esses caras tão de fita brow.
Queria topa con uns manos desses lá na quebrada!!

Meire Maria disse...

"Descorimos que a vida é curta e a Lua é bela". Como é que depois de ler algo tão lindo, tão verdadeiro e poético, alguém pode fazer comentários tão chulos, baios... Bem, deiemos de lado essas tontices e vamos ao Alves. Este sim vale a pena!

Meire Maria disse...

Bem, primeiramente peço desculpas por não ter notado que algumas teclas estão alhando. Peço compreensão!!! Mas aí, sobre o texto: creio que RB já havia observado como a sociedade está ficando distante sentimentalmente distante uns dos outros. E agora, na era da info, pior ainda. Seria bom que correspondermos por e-mails e depois nos encontrarmos para conversar, dançar, cantar juntos...